São Judas Tadeu e o Flamengo
Dia 28 de outubro é dia de São Judas Tadeu, padroeiro do Flamengo.
Normalmente, a igreja dedicada ao santo, localizada no Cosme Velho, zona sul do Rio de Janeiro, receberia milhares de devotos (muitos deles, vestindo a camisa rubro-negra).
Infelizmente, a festa que acontece anualmente na data não será a festa por causa da pandemia. Mas nem por isso a data passará em branco para o clube.
Além do anúncio do seu novo programa de sócio-torcedor, o Flamengo vai celebrar uma missa em homenagem ao padroeiro, às 16h, no Ginásio Hélio Maurício, na sede da Gávea.
Aproveitando a data, a Estante Rubro-Negra dá início a uma nova seção do site.
Em “Especiais”, teremos conteúdos produzidos a partir de materiais de arquivo, ou seja, textos produzidos a partir de recortes e informações que a gente guarda na estante ou na cabeça.
O primeiro destes textos mostra como a relação entre o Santo das Causas Impossíveis e o Mais Querido começou e se fortaleceu ao longo dos anos.
O sagrado e o profano jogando pelo mesmo time
1953. O Flamengo chegava a nove anos sem títulos e igualava seu maior jejum na história. Apesar de ter um bom time, o clube não chegava a ser considerado o favorito à conquista naquele ano.
O então presidente Gilberto Cardoso e Fadel Fadel, outra grande figura política do Fla, foram convidados a ir na pequena capela dedicada a São Judas Tadeu. Foram recebidos por Luiz Gonzaga de Campos Góes ou, simplesmente, Padre Góes, pároco do lugar desde 1945.
O padre era amigo de José Alves de Morais, que veio a ser presidente do Fla anos depois. Morais, aliás, tem influência direta na relação do Mengão com o santo das causas perdidas. Quando Góes assumiu a paróquia, Morais já era devoto de São Judas Tadeu e foi algumas vezes lá para pedir ajuda ao clube.
Essa boa relação prévia fez com que Pe. Góes manifestasse o desejo de ir à Gávea para conhecer os jogadores. E a visita acabou acontecendo numa noite chuvosa, durante a concentração para uma partida do Campeonato Carioca. Junto com dirigentes e membros da comissão técnica, Pe. Góes cumprimentou os jogadores um a um e em seguida, participou do jantar.
O técnico Fleitas Solich conversou com o padre, já que este queria saber se haveria problema em falar aos jogadores. Fadel Fadel tomou a iniciativa e disse a todos que Góes daria palavras de incentivo e apoio ao time.
Mas o padre fez mais do que um pequeno sermão. Góes simplesmente cravou que o Flamengo seria campeão.
A edição 7483 do Jornal dos Sports, publicada em 24 de janeiro de 1954 já em comemoração ao título que realmente acabou sendo conquistado, reproduziu as palavras do padre na visita.
“Não posso afirmar, como conhecedor do football, que o Flamengo será campeão. Mas sinto que vocês alcançarão o triunfo, se quiserem, e essa afirmação eu faço como sacerdote, como intercessor junto a São Judas Tadeu”, declarou Góes.
E completou: “Meus amigos, o Flamengo é uma força e é preciso aproveitar esse poderia que está em potencial. (…) E asseguro que o título está ao alcance de todos vocês desde que a fé nunca os abandone. (…) Só peço uma coisa, é que a cada domingo, de agora em diante, vocês compareçam à nossa igreja. Vão assistir a missa e rezaremos, todos juntos, pela vitória final. Então, quando o campeonato terminar e o Flamengo se sagrar campeão, como há de acontecer, não tenham dúvidas, rezaremos uma grandiosa missa campal lá mesmo na nossa igrejinha das Laranjeiras, em homenagem ao Nosso Querido São Judas Tadeu”.
Dito – aliás, bendito – e feito. O time foi vencendo, crescendo no campeonato. Ia às missas e fazia milagres em campo. E no dia que o time não pôde ir à missa, foi a a vez de Góes ir ao templo. Ao templo sagrado do futebol, o Maracanã.
Assistiu tranquilo ao jogo e foi até questionado se não ficava nervoso. Resposta: “Mas você tem dúvidas sobre a vitória do Flamengo? Tem dúvidas que levantaremos o campeonato?”
Pois o Flamengo levantou mesmo a taça. Em 1953. E também em 1954 e 1955, quando o padre rubro-negro cravou os títulos novamente. Pessoas ligadas ao clube iam constantemente às missas celebradas por Góes para pedir bênçãos e também agradecer, incluindo os jogadores.
Na época, a matriz de São Judas Tadeu no Rio ainda não existia; no terreno do Cosme Velho adquirido por Padre Góes, havia apenas uma pequena capela.
Mas Góes tinha o projeto de erguer uma bela matriz para nosso padroeiro. E o sucesso da empreitada teve enorme contribuição do Flamengo e de sua torcida.
Verdade que, quando a matriz foi concluída entre o fim dos anos 60 e o início dos anos 70, a igreja já era liderada pelo substituto de Góes, Monsenhor Bessa.
Mas Bessa era igualmente rubro-negro e ajudou a reforçar os laços com o clube não só pela constante presença em ocasiões ligadas ao Flamengo, mas também por celebrar missas trajando o nosso banto por baixo da batina.
São Judas Tadeu ajudou o Flamengo e o Flamengo, ajudou o santo
Nenhum instituto de pesquisa afirmou, mas o “Data-Estante” se arrisca a dizer que São Judas Tadeu é presença certa entre os santos mais populares do Rio de Janeiro. São Jorge (campeão absoluto entre os cariocas) e São Sebastião completam o pódio.
Mas nem sempre foi assim. Entre 1900 e 1904, o arcebispo metropolitano do Rio, Cardeal Arcoverde, criou a primeira paróquia de São Judas Tadeu na zona Leopoldina. E isso gerou muita revolta na população.
Dias depois, uma comissão de fiéis protestou de forma veemente contra a iniciativa. Afinal, ninguém queria “um Judas” por perto, nem prestar devoção ao traidor de Cristo. Mesmo com todas as explicações do Cardeal, explicando que havia dois Judas entre os apóstolos de Cristo, a galera não se convenceu muito…
Alegavam que ali pela Leopoldina, só conheciam um Judas e ele não era flor que se cheire. Tantas fizeram que a paróquia foi encerrada. São Judas Tadeu só voltou a ter uma igreja dedicada ao seu nome em 1945.
Se Góes tantas vezes intercedeu junto ao Santo das Causas Impossíveis em nome do Flamengo, pode-se afirmar que os rubro-negros e o clube retribuíram à altura.
Foram inúmeros os eventos de arrecadação de fundos liderados pelo clube para construção da belíssima matriz. A torcida contribuía bastante também. Até o belíssimo altar em mármore carrara foi doado pelo clube, em uma das promessas feitas por dirigentes na jornada do tri de 53-54-55.
São Judas Tadeu ganhou uma belíssima matriz. Ganhou também o posto de padroeiro do clube Mais Querido do Brasil e o coração e a fé de milhões de brasileiros (rubro-negros ou não).
Independente da religião, a relação com o clube é evidente. Confira alguns dos principais fatos que aproximaram ainda mais São Judas Tadeu e o Flamengo:
Padre Góes e a extrema-unção de Ary Barroso
O ilustríssimo rubro-negro Ary Barroso encontrava-se internado e muito mal de saúde, a ponto de chamarem um padre para o sacramento da extrema-unção. Claro que não haveria de ser um padre qualquer e Góes foi chamado.
Ao chegar ao hospital, o líder da igreja de São Judas Tadeu foi surpreendido com uma pergunta inusitada. Mesmo convalescendo, a primeira coisa que Barroso quis saber foi o placar do Flamengo e Madureira jogado naquela tarde.
Góes respondeu que o Madureira havia vencido por 2 a 1. “Então, quem precisa de extrema-unção é o Flamengo, não sou eu”, respondeu o doente.
Ary Barroso faleceu em fevereiro de 1964, vítima de cirrose hepática.
Celebração de missas do clube
No agradecimento ou no pesar, as missas relacionadas ao Flamengo são celebradas na Igreja de São Judas Tadeu, no Cosme Velho. A matriz já recebeu rubro-negros em momentos de grande dor e tristeza como nas missas pelas mortes de Cláudio Coutinho, do zagueiro Figueiredo e dos “Nossos 10”. Missas de celebração por títulos e pelo aniversário do clube também são celebradas por lá.
Dia do Flamenguista é comemorado no Dia de São Judas Tadeu
Criado em 2007 pelo então prefeito César Maia, o Dia do Flamenguista é comemorado em 28 de outubro. E não houve coincidência na escolha da data. A ideia era mesmo celebrar o dia junto com a comemoração do padroeiro do clube. Ano a ano, há um grande engajamento dos torcedores, que fazem questão de vestir a camisa do Flamengo para celebrar a alegria de ser rubro-negro.
Nova sede da Gávea foi inaugurada no dia de São Judas Tadeu
A nova sede social da Gávea, com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas, surgiu em 1989, na gestão de Gilberto Cardoso Filho. Mas diziam que a obra nunca sairia. Mas ela saiu.
Com o nome de José Agostinho Pereira da Cunha, sócio fundador número um e patrono do Flamengo, a nova sede foi inaugurada em 1994, no dia dedicado ao nosso padroeiro.
A festa teve direito a coquetel, exibição da equipe de nado sincronizado e, claro, bênçãos de um representante da Igreja de São Judas Tadeu.
O feito rendeu até um anúncio em tom bem-humorado, relacionando a conclusão da obra com o padroeiro. O anúncio também teve cunho político e exaltava Luiz Augusto Velloso, presidente do Flamengo naquele ano.
Quem foi São Judas Tadeu, padroeiro do Flamengo
Judas Tadeu nasceu na Galiléia, no ano I da Era Cristã. Era filho de Cleófas (também conhecido como Alfeu), irmão de São José. Era, portanto, primo de Cristo, de quem também foi discípulo.
Assim que as pregações de Jesus começaram, ele largou tudo para seguir com ele.
Tornou-se um dos doze apóstolos de Cristo e participou da última ceia. Mesmo após a morte de Jesus, Judas Tadeu continuou pregando. E tinha grande capacidade de converter as pessoas, algo que provocou a fúria de poderosos de Suanis, na Pérsia.
Isso provocou sua morte através do martírio e atribui-se que o fato tenha ocorrido num dia 28 de outubro.
Judas Tadeu foi assassinado com machadadas e ainda teve a cabeça cortada. Por essa razão, uma das versões mais conhecidas de sua imagem traz sempre um machado, instrumento pelo qual o Santo é representado.
Créditos das imagens (de cima para baixo): Paula Reis/Flamengo; Marcelo Cortes/Flamengo; Getty Images; Acervo BN; Paula Reis/Flamengo.