Flamengo 126 anos
Flamengo 126 anos. Mais um aniversário do clube Mais Querido do mundo, razão de ser de cada prateleira aqui da Estante Rubro-Negra. E, para comemorar, resgatamos um texto que faz parte do livro “Flamengo: uma emoção inesquecível”, do cineasta Joaquim Vaz de Carvalho.
A obra foi um dos vários livros lançados em 1995, em comemoração ao 1º centenário do clube, e reuniu depoimentos de diversos rubro-negros famosos e fanáticos, falando sobre a paixão pelo Mengão.
E um deles “veio do além”. Coube ao escritor Edilberto Coutinho a honra de escrever um texto “psicografado” de José Lins do Rego, um dos maiores romancistas – e torcedores do Flamengo – que já existiu.
Reproduzimos o texto aqui, informando também os créditos do livro que, apesar de esgotado, pode ser encontrado em sebos e sites de venda de livros usados.
Mais do que relembrar a publicação, a ideia é homenagear todos os rubro-negros espalhados pelo mundo, representados na figura ímpar de Zelins.
Parabéns, Flamengo! Parabéns a todos os escritores, editoras, torcedores e livrarias que contribuíram e contribuem ao longo desses 126 anos com o registro da linda história do nosso clube. Os livros, assim como o Flamengo, são eternos.
Flamengo até depois de morrer
Meus amigos e meus inimigos, continuo um flamengo cheio de ardores rubro-negros. Por que a simples morte iria mudar alguma coisa em mim? Foi o que comentei outro dia com Gilberto Cardoso, Ari Barroso e outros companheiros de fé. Quando nos encontramos, é um desfiar sem fim de lembranças em vermelho e preto.
Tenho o Flamengo no sangue. Não fosse o vermelho uma de suas cores. Quando chamado ao teu serviço, me sentia como um seu escravo.
Graças ao Flamengo, cheguei a compreender muitas coisas, inclusive a aproximar-me ainda mais de Deus. Ao chegar a esta vida, o poeta Murilo Mendes me perguntou: “Zelins, então como é Deus?” “Em forma de esfera”, logo informei. “Uma bola de futebol. Do Flamengo”.
Quando encarnado em passagem pela Terra, ia ao futebol sempre que jogava o Flamengo ou a Seleção Brasileira. Sofria como um pobre diabo. O pulso disparava. O coração parecia sair pela boca. Mas uma vitória das nossas cores compensava tudo.
Reprodução/Manchete Esportiva 21 (14.04.1956)
Por que o Flamengo? Várias vezes tentei responder. Há no Flamengo – havia no meu tempo de Gávea, continua a haver no Clube centenário de agora – esta predestinação para ser, em certos momentos, uma válvula de escape às nossas tristezas.
É uma coisa mágica: quando apertam as dificuldades, lá vem o Flamengo e agita nas massas sofridas um pedaço de ânimo que tem a força de um remédio heróico. O Flamengo não nos enche a barriga, mas inunda a alma do povo de um vigor de prodígio.
E o futebol – penso especialmente no futebol do Flamengo – é para o brasileiro, como o Carnaval, um agente de confraternidade. Liga os homens no amor e no ódio, faz com que gritem as mesmas palavras e exaltem os mesmos heróis: no meu tempo, um Leônidas, um Zizinho. Depois que parti, um Júnior (um conterrâneo querido), um Zico.
Literatos, só literatos, por vezes me patrulharam neste amor ao futebol. Nesta paixão pelo Flamengo. Achavam que iria prejudicar minha literatura. Bobagem. Quando me jogava numa arquibancada, nos portões de um estádio cheio, punha-me a observar, a ver, a escutar. Via e escutava muita coisa viva. Via e escutava o povo em plena criação. Poderia haver material melhor para um romancista?
Quando escrevia crônicas de futebol, avisava logo: não iria fingir neutralidade nem compor máscara de bom moço. Mas só diria a verdade. Era um compromisso acima do meu próprio coração rubro-negro. Seria tão amigo de Platão como da verdade. É claro, esperando que o caro Platão estivesse sempre com a verdade.
Procurei manter-me imparcial naqueles artigos esportivos, que, neste ano de primeiro centenário de nosso Clube, podem ser revisitados no volume Zelins, Flamengo até morrer. São 1571 textos, escritos de 1945 a 1957. Quis, na verdade, ser imparcial, repito diante do riso irônico do Ari Barroso, analisando a coisa esportiva da maneira mais serena possível. Acontecia apenas que, de vez em quando, me inclinava para o Flamengo, que é meu time. Acontecia, seu Ari… não sei como.
Em 1951, acompanhei o Flamengo numa excursão vitoriosa à Europa. Voltei convencido de que o futebol era mercadoria tão valiosa quanto café para nossas exportações. Vi o nome do Brasil aclamado em cidades longínquas do Norte, em Malmoe, Estocolmo, Copenhague… Vi em Paris aplausos a brasileiros com mais vivo entusiasmo. Somente Santos Dumont fora tão falado pela imprensa francesa, sempre tão distante de tudo que não é europeu, quanto os rapazes do Flamengo. O Flamengo sempre me fez tão alegre que chego a me confessar triste de não ser Flamengo há mais tempo.
Assinado: José Lins do Rego. Ofício Especial de Notas do Centenário do Flamengo. Eu, tabelião Edilberto Coutinho, reconheço por semelhança a firma e dou fé.
Ficha técnica
O texto acima está presente nas páginas 50 e 51 do livro:
- Flamengo: uma emoção inesquecível
- Criação e organização: Joaquim Vaz de Carvalho
- Editora: Relume Dumará
- ISBN: 85-7316-046-2
- Ano: 1995
- Edição: 1ª
- Páginas: 202
A Relume Dumará foi uma das editoras adquiridas pela Ediouro no início dos anos 2000.